09 setembro 2006

os justos

Os niilistas que semeavam bombas nas cidades russas e consideravam aceitável sacrificar inocentes para matar o Czar não eram camponeses pobres, sem instrução e sem comida, desesperados da vida por não terem onde morrer. Eram estudantes, filhos de burgueses, bem vestidos e bem alimentados. O problema das análises que reduzem o terrorismo a um protesto político com raízes sociais é que ignoram a natureza e os abismos da alma, a metafísica da destruição que, século após século, irrompe nas sociedades humanas - não entre os povos primitivos, demasiado ocupados a sobreviver para se darem ao luxo de terem angústias existenciais, mas entre os membros mais descansados e reflexivos das sociedades desenvolvidas. O terrorismo tem as raízes no spleen de Paris, não no erguei-vos, ó vítimas da fome, e não perceber isto é não perceber nada. Bin Laden não é um cameleiro descalço, é o rebento maduro e sofisticado de uma casta opulenta e satisfeita. Os homens que o seguem usam a internet e sofisticados sistemas de navegação. O testamento de Ata é um modelo de disciplina.

Também não entendo o choque por terem sido rapazes de 18 anos a executar os atentados de Londres de há um ano. É aos 18 anos que somos mais violentos e intolerantes, e que a necessidade da morte está tão distante que não conseguimos realmente temê-la. É aos 18 anos que somos mais estúpidos - inteligentemente, racionalmente, radicalmente estúpidos, com a frieza de um esquizofrénico e a sofreguidão luxuriosa de um bárbaro.
O terrorismo é a guerra mais terrível porque é uma guerra que vem de dentro, irrompe a partir dos nossos filhos e dos filhos dos nossos irmãos. Não tem quartel porque não há campo de batalha, nem exércitos, nem bandeiras. É cego e oco e sem limites porque somos nós, é a nossa própria maldade a manifestar-se de repente, um pesadelo que vem sem aviso no meio da noite e nos toma sem cautela, ou objectivo, ou ódio. Era meu sobrinho? Era. Como é que pôde? Porque eu podia. E isso é tão assustador. É por isso que o negamos, que preferimos pensar em palestinianos maltrapilhos, em pigmeus de misteriosas florestas improváveis, em monstros nascidos para o ser como os filhos de Saddam. Mas não é verdade.

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